Relato dos acontecimentos de quando em mais um ano me juntei ao Coletivo Faixa-Preta, de Correntina, para realizar uma manifestação de caráter pacífico durante o desfile do 7 de setembro.

Estávamos em seis. Um pequeno grupo, porém significativo, que foi capaz de marcar a cerimônia, arrancando críticas, espantos, xingamentos e até elogios. Chegamos cedo ao local, aguardamos debaixo do sol de lascar da manhã baiana até a procissão patriótica se aproximar. Iniciamos então nossa pequena ação, levantando cartazes, com dizeres como “Não há nada a se comemorar”, “Desgoverno em ação”, “Pelo quê você marcha?” e “Diga não à droga do estado”, e também distribuindo panfletos com críticas sobre a veracidade da louvada independência e a razão da comemoração nacionalista diante do quadro social grave no qual afundamos. Durante os discursos, reagimos com energia às mentiras históricas e ao populismo dos donos do poder presentes no palanque.

Seria engraçado se não fosse triste ver o nível em que a coisa acontece no interior. No desfile do 7 de setembro ficam evidenciados os grupos que dominam o poder em Correntina, com suas alas pomposas marchando e seus líderes satisfeitos convidados ao palanque: políticos e ex-políticos, coronéis latifundiários, burgueses, patriarcas das oligarquias, igrejas católica e evangélicas, maçonaria. E esta última merece atenção especial.

A maçonaria historicamente detém um poder descomunal, com seus tentáculos influenciando o meio político, militar e jurídico. Em nossa cidade esse cacife ainda é mais evidente, pois os ricos comerciantes, vereadores, prefeitos e tantos detentores de cargos altos são em sua maioria maçons. A maçonaria tem assegurado por meio dessas influências o controle da política no oeste, ao lado das poderosas famílias e das instituições religiosas, tudo isso sob uma fachada de filantropia. Essa influência se estende também às mentes dos jovens pela Ordem Demolay, grupo paralelo ogranizado pelos maçons a fim de incluir seus filhos homens e outros garotos selecionados na doutrina maçônica, em um direitismo perigoso baseado em patriotismo, religiosidade, hierarquia e a fidelidade a uma honra de caráter paramilitar.

A Ordem Demolay também tem sua ala garantida no desfile do 7 de setembro, graças ao poder incontestável da maçonaria no município, e ficaram especialmente furiosos com nosso protesto. Primeiramente, há o motivo óbvio: nos manifestávamos contra valores básicos da sua doutrina, como patriotismo e hierarquia; também por um de nossos companheiros ser um membro dissidente dessa Ordem, arrancando ódio dos jovens maçônicos ao ver a autoridade de seu grupo ruir de dentro. Durante a marcha, ao passar pelo nosso protesto, um amigo Demolay tentou nos saudar, mas foi imediatamente censurado pelos demais. Vendo isso, questinoei: “a maçonaria é liberdade, deixa o cara falar!” Olhares de ódio se viraram contra mim, prenunciando o que ocorreria em seguida.

Finalizado o desfile, os Demolay irromperam pra cima do nosso grupo. Enquanto nos cercavam, os mais velhos nos abordaram em tom de intimidação, nos insultando, classificando nossa maninfestação pacífica como “coisa de gente de merda”. Mencionaram rasgar nosso material e tomar nossa câmera, enquanto nos mantínhamos íntegros em defensiva, na prevenção de um confronto. Agiram em um ganguismo impressionante, em um número muito maior nos cercaram (estávamos apenas em seis, três homens e três mulheres, diante de quase vinte Demolays). Talvez pela proximidade de um carro da polícia não fomos agredidos fisicamente. Por fim, nos ameaçaram de forma clara: “se eu ver algum de vocês falando mal da maçonaria eu quebro a cara”. Mais intimidadoras foram as palavras do líder da Ordem, o dito Mestre Conselheiro: “apagem nossas fotos e nossos vídeos, e se vocês em algum momento falarem mal da maçonaria, vocês vão se dar muito mal, vocês vão se ferrar”, com o respaldo dos demais. Temendo por nossa segurança, nos retiramos.

A maçonaria mostra suas garras. Essa é a face dos membros da Ordem Demolay, que através da influência de seus ditos “tios” maçons na política, no judiciário e nas corporações vê caminho aberto para ações acima das leis e permanência em total impunidade. No interior isso é agravado pela ausência de organizações que reivindiquem direitos de minorias ou se oponham aos donos do poder, como sindicatos, coletivos ou movimentos estudantis. Essa intimidação criminosa (Artigo 147 do Código Penal) ainda fere a liberdade de expressão, um dos poucos direitos ainda garantidos na teoria que nos permite agir por um mundo menos desigual. Seria essa violência um caso isolado aos Demolays de Correntina? E os relatos sobre atos semelhantes praticados por grupos da Ordem de outras cidades?

Nossa manifestação foi bastante positiva, levantamos críticas e repúdio, como esperado, mas também recebemos o afeto de parcelas da população que apóiam nossos motivos e acreditam em mudança, apesar do terrorismo coronelista e do poder absoluto de instituições como a Maçonaria. Por rompermos com essa barreira de medo fomos vítima de ameaça, mas não nos calaremos. Em meio à repressão podemos nos tornar mais fortes, nossa luta revigora, continuaremos a denunciar a hipocrisia, os abusos, as desigualdades e os crimes desta terra sem lei.

Agradecemos o apio que tivemos e pedimos aos companheiros que repassem esse caso por e-mail, blogs, zines. A denúncia deve ecoar.