Me despi de expectativas a respeito da edição DF do Verdurada. O evento original de São Paulo trouxe um novo conceito de festival, mobilizando e celebrando o hardcore e temas inerentes, como libertação animal e sustentabilidade. Quando foi anunciada uma versão em terras candangas eu não sabia o que esperar, indeciso se a fórmula funcionaria por aqui, se haveria receptividade da proposta e também tendo em vista os últimos relatos do sudeste que sugeriam uma certa elitização e perda de foco do Verdurada original. Mas a iniciativa era imperdível: uma noite voltada ao hardcore positivo em grande estilo. Convites feitos, o esquema foi pegar carona rumo ao Círculo Operário do Cruzeiro para conferir a primeira edição do Verdurada DF.

Quebre as regras do esquema, batalhe por si só, queime a bandeira e mate o Poder!
Tirei Zero

O evento rolou no cabalístico 31 de outubro, halloween e ironicamente o segundo turno das eleições. Trocar o sufrágio pelo Verdurada foi belo. Marcado para as 16 horas, começou debaixo de chuva. A entrada custou 8 mangos, com incentivo para quem chegasse de bike, que pagou 5. Logo no início foi justificado o uso do palco, já que o plano seria de equidade entre bandas e público, dividindo o mesmo chão. Ao menos o famigerado foi largamente aproveitado pela galera para stage dives.

Abrindo o evento rolou a banda Gulag (DF), com a boa ‘música de prisioneiro’. Show bem apreciado, mesmo que somente uma parcela do público que acabaria compondo a noite estivesse presente. Em seguida foi a vez da curitibana Black Sea, mandando seu post-rock bem feito, prato cheio para os apreciadores do estilo.

A essa altura, circulei e conferi as bancas em exposição. Muitos materiais à venda, discos, camisetas, distribuição de zines e panfletos, inclusive sobre política e voto nulo, enriquecendo o evento com conteúdo. Não poderia faltar a comida vegana, com sauduíches, salgados, bolos, tortas, cup cakes e muitos outros. É sempre bom comer tranquilo tudo o que lhe é servido!

A terceira banda a mandar o som foi xLost in Hatex. Um nome bem conhecido do straight edge brasiliense fez um show com muita presença. O público, a essas horas com força total, acendeu a rodada de mosh da noite, ao som do deathcore bruto. Apenas soou estranho o anúncio de premiar uma bermuda, motivação sem sentido. Mas ficou beleza quando somente jogaram a peça pra galera no final.

A sequência de bandas deu lugar à palestra/debate sobre Mobilidade Urbana, promovida pelo Movimento Passe Livre e Bicicletade-DF. O papo foi um dos momentos mais importantes da noite, onde foram abordados problemas inerentes à realidade de estudantes, pedestres, ciclistas e motoristas. As discussões e trocas de experiências ultrapassaram as questões do transporte, remetendo a outros pontos como segurança, desigualdade econômica e sexismo. O que, conforme concluído na roda, evidencia que os problemas sociais que enfrentamos estão conectados na fonte. A batalha em uma frente acarreta repensar outras necessidades importantes. Não adianta agir na libertação animal e ignorar a questão do o latifúndio e a distribuição de renda. Igualmente, pensar em transporte público eficiente requer considerar a segurança e o combate a preconceitos, e a construir uma nova mentalidade.

De volta aos shows, foi a vez de Tirei Zero (GO). Hardcore skater 80’s que surpreendeu e marcou a noite. Era bonito de ver: roda com gente de tudo que é idade, sexo e envergadura, tomando o palco e os microfones de assalto, contagiada pelo som nervoso e irreverente da banda. Do palco também lançaram idéias e apelos à maior união da cena do DF e ao prestígio das boas iniciativas, e também um protesto ao fascismo hardline que manchou a história sxe nos passado.

O pique old school continuou a todo vapor com o comando da Nossa Escolha (DF). A introdução com The Who deixou o público em ponto de bala. Daí pra cair na roda com o hardcore no talo foi literalmente um pulo. Era visível nos rostos suados a satisfação de compartilhar aquele momento, o espírito e a liberdade que sempre nos flagramos invejando dos registros de gigs oitentistas que parecem tão distantes da nossa realidade invertida.

A última banda foi Nunca Inverno (SC), trazendo um decente hardcore melódico, politizado e consciente. A banda, bem como as demais de outros estados, fizeram bonito, vindo de longe para somar em grande estilo às bandas locais.

Rule of the streets #1: Fuck the police!
Rule of the streets #2: Fuck the police!
Rule of the streets #3: Fuck the police!
xEdge With Dreadsx

Ao final das apresentações foi a hora do jantar vegano, servido a todos os presentes. O prato da noite era um delicioso strogonoff com arroz. A distribuição das porções provou a competência e organização do Coletivo, que proveu o público maior que o esperado em um tempo incrível. Elogios à campanha prévia para a galera trazer seus próprios pratos e talheres, evitando o uso de descartáveis. Interessante também foi a coleta seletiva do lixo. Só faltou uma melhor sinalização das lixeiras específicas e também talvez distribuí-las melhor pelo espaço. Mas no geral quem compareceu teve a consciência de manter o local limpo e livre de drogas.

Para embalar a galera no fechamento do evento rolou o baile hip hop com xEdge With Dreadsx (EUA), que mandou muito bem. É o estilo de vida libertário livre de drogas indo além das fronteiras do hardcore.

Continuo firme e sóbrio, ciente de mim; Minha vitória, o seu fracasso
xLost in Hatex

O Verdurada-DF surpreendeu pelo resultado bastante positivo. Reuniu um público plural, do anarcopunk ao straightedge cristão. As sete horas de evento foram marcadas por um clima de amizade, informação e diversão, sem violências ou chateações. O Coletivo promotor está de parabéns pela iniciativa e organização do evento, que tem de tudo para ser ponto imperdível no calendário do DF juntamente com os maiores festivais da cidade.